“Senti-me inseguro… a partir do momento em que chegou a polícia”

O músculo policial voltou a exibir-se na Amadora na tarde do último domingo, 4, quando um grupo de agentes decidiu encostar à parede crianças e jovens menores de idade para lhes arrancar uma identificação. A ofensiva, sem qualquer justificação alegada ou comprovada, persistiu mesmo diante da intervenção dos pais que acorreram em auxílio dos filhos, denunciando os excessos da intervenção, relatada por Caim Macau no Facebook. Um testemunho que o Afrolink destaca e que vai estar em análise mais logo, n’ O Lado Negro da Força.

por Afrolink

Viu o filho ser encostado à parede, “tratado como um criminoso”.  Pediu uma justificação “várias vezes”, mas “a resposta foi sempre a mesma: aguarde que o chefe já lhe explica”. Fez o que lhe pediram, só que no final não teve direito a nenhuma satisfação. “Não tiveram respostas nem hão-de ter, porque o miúdo não fez nada”, relata uma das mães que, no último domingo, 4, se viu confrontada “sem poder fazer nada”, com a criminalização do filho. “Tudo isso derivado à cor da pele”, aponta, reforçando a denúncia publicada por Caim Macau no Facebook.

“Para quem não sabe, colaboro com a Associação Cavaleiros de São Brás [situada na Amadora], fazendo serviços de técnico de informática”, introduz Caim, antes de relatar o caso de “abuso/VIOLÊNCIA POLICIAL contra MENORES de IDADE”, que testemunhou no passado fim-de-semana, dias 3 e 4.

“Aproveitei que agora tenho algum tempo para finalmente conhecer a comunidade, e tanto ontem [sábado] como hoje [domingo] estive por lá de visita. Foram dois dias de uma experiência enriquecedora, a conhecer as pessoas dos bairros, a conversar com elas”, descreve o desenvolvedor de software e mestrando em Engenharia Informática.

Destacando o “espírito de comunidade” que encontrou nessa deslocação, marcada pela celebração do aniversário da Independência de Cabo Verde, Caim nota que “enquanto esperava por malta da associação” nunca lhe faltou companhia. “Havia gente dali a meter conversa comigo, a cumprimentar-me sem conhecer”.

A experiência acabou, contudo, por deixar um sabor amargo.

“Ouço muitas vezes falar dos problemas de segurança nestes bairros com uma grande maioria de pessoas negras”, admite Caim, acrescentando: “Sim, senti-me inseguro… a partir do momento em que chegou a polícia”.

Incitamento policial a violência?

Com o aparato de meios que tem marcado as intervenções na periferia, a presença policial avançou com “uma parada de carros e carrinhas, agentes musculados e armados com caçadeiras, escudos, cassetetes…”.

Segundo relata Caim, quando se apercebeu da operação, os efectivos “tinham acabado de encostar à parede um grupo de miúdos claramente menores de idade, e tratados como criminosos violentos por não terem a identificação com eles”.

Para quem assistiu às cenas, não há dúvidas de que se tratava de “uma provocação” das autoridades.

“Eles estavam à espera de uma reação violenta da comunidade, para justificar um acto de porrada sobre as pessoas”, considera o informático, acrescentando que a polícia  “já andava a assediar os miúdos, dizendo que não podiam estar ali”, apesar de se tratar de uma via pública.

“Pelos relatos que auscultei, os miúdos em questão são estudantes, desportistas, e gostam de ir ali para aquele canto para apanhar a net da escola e ficarem a jogar jogos online no telemóvel”.

Nada que parecesse interessar aos agentes, mais empenhados em estimular o confronto.

“Mas a reacção das pessoas foi a de manter a postura, enquanto expressavam a sua revolta, e questionavam os polícias do porquê. (…) Apesar de um acto traumatizante, com o objectivo de criar medos às crianças presentes, a polícia saiu dali frustrada. A comunidade segurou as rédeas até os pais dos miúdos aparecerem com a identificação deles”.

Lembrando que dessas mesmas ruas uma “classe trabalhadora invisível”, parte todos os dias às 6 da manhã para trabalhar “nos bastidores do capitalismo”, Caim lamenta que a contrapartida seja “terem os filhos segregados apenas pelo puro simples motivo de existirem”.

 

A análise prossegue mais logo n’ O Lado Negro da Força. Para ver no Facebook e no YouTube, a partir das 21h.