A voz eterna de Desmond Tutu: “Eu gostaria de me calar, mas não posso”

Os 90 anos de vida de Desmond Mpilo Tutu, falecido ontem, 26, contam-se pelos fervorosos combates que travou pelos Direitos Humanos, em particular a luta contra o regime criminoso do apartheid, distinguida com o Nobel da Paz de 1984. Apelidado de “voz” daqueles que nunca eram ouvidos, o arcebispo emérito sul-africano tornou-se não apenas um dos mais reputados representantes e defensores das reivindicações dos negros sul-africanos como, já depois da eleição presidencial de Nelson Mandela, assumiu a liderança da Comissão da Verdade e Reconciliação. “Não tenho dúvida de que, sem uma coisa assim, teríamos incendiado o país. Muitas pessoas acharam que teríamos tido um banho de sangue racial”, adiantou numa das inúmeras entrevistas que concedeu, testemunhos de um legado ímpar, recheado de declarações-lição. “Se ficarmos neutros perante uma injustiça, escolhemos o lado do opressor”, lembrou Tutu, que nos deixou vários alertas. Como este:“É muito perigoso quando as pessoas pensam que o racismo não existe mais. Quando isso acontece, o racismo torna-se um veneno que vai contaminando lentamente a  nossa sociedade.

por Afrolink

Admitiu ter ficado “esmagado com a extensão do mal”, que, testemunho após confissão, encontrou na Comissão da Verdade e Reconciliação da África do Sul. Mas nem perante os mais atrozes exemplos de desumanização, Desmond Tutu, que liderou essa estrutura de 1996 a 1998, duvidou da força superior do bem.

“A única forma de experimentar a cura e a paz é o perdão. Enquanto não formos capazes de perdoar, permaneceremos presos na nossa dor e impedidos de aceder à cura e à liberdade”, defendeu o arcebispo emérito sul-africano, sublinhando que, na melhor das hipóteses, a vingança permite um alívio momentâneo da dor.

Também por isso, e, mesmo reconhecendo as fragilidades do processo de reconciliação, Tutu defendeu, aquando da passagem por Portugal, em 2012, as virtudes desse instrumento.

“Não tenho dúvida de que, sem uma coisa assim, teríamos incendiado o país. Muitas pessoas acharam que teríamos tido um banho de sangue racial”, disse ao Público.

Apelidado de “voz” daqueles que nunca eram ouvidos, Tutu, falecido ontem, aos 90 anos, tornou-se um dos mais reputados representantes das reivindicações dos negros sul-africanos, na luta contra o regime criminoso do apartheid.

O combate que travou pelos Direitos Humanos valeu-lhe, entre outras distinções, o Nobel da Paz de 1984, prémio recebido com um reiterado repto ao opressor.

“Por amor de Deus, será que eles vão ouvir, será que os brancos vão ouvir o que estamos a tentar dizer? Por favor, a única coisa que pedimos é que se reconheça que também somos humanos. Quando nos esfolam, sangramos, quando nos fazem cócegas, rimos.”

Dono de uma oratória singular, produzida ao longo de décadas de activismo que inspiraram acção e mudança, Tutu assinalou, em várias ocasiões e sermões, a necessidade de resgatar a humanidade do homem branco.   

“Sê simpático para os brancos, eles precisam de ti para redescobrir a sua humanidade”.

Devoto e praticante do perdão, ao arcebispo sublinhou que “perdoar não é esquecer”. Pelo contrário, o sul-africano defendeu que “lembrar é particularmente importante, sobretudo se não quisermos que a história se repita”.

Nascido a 7 de Outubro de 1931, filho de um professor primário e de uma cozinheira, Desmond Mpilo Tutu juntou à luta pelo fim do apartheid várias outras frentes de batalha pelos Direitos Humanos.

Afirmou, por exemplo, que estava tão envolvido no combate à homofobia como ao apartheid. “Não venerarei um Deus homofóbico (…) recusarei ir para um paraíso homofóbico”, disse, agindo segundo as suas próprias palavras.

“Se ficarmos neutros perante uma injustiça, escolhemos o lado do opressor”, declarou Tutu, para quem o silêncio ou a inacção nunca foram opção.

“Eu gostaria de me calar, mas eu não posso”, afiançou, juntando ao seu legado a herança paterna.

“O meu pai sempre me disse: Não levantes a voz, melhora a tua argumentação”.