“Abandono, violência, tortura”: o estado das prisões denunciado num protesto

O grupo Vozes de Dentro está a convocar uma concentração em frente ao Estabelecimento Prisional de Lisboa no próximo sábado, 31, às 17h, para denunciar uma prática que, sublinha o colectivo, se repete “há mais de uma década”. Trata-se da greve dos guardas prisionais na quadra festiva, apontada como reveladora “da desumanidade, abandono, violência, tortura e isolamento que o Estado e os profissionais exercem sobre as pessoas presas”. Em protesto contra esta realidade, o Vozes de Dentro apela à mobilização colectiva, “para dizer às pessoas dentro dos muros que não estão sozinhas, que lutamos com elas, que comemoramos com
elas”. O repto vem acompanhado de um alerta sobre os efeitos da paralisação dos guardas nos direitos da população reclusa.

por Afrolink

A greve dos guardas prisionais tornou-se, denuncia o grupo Vozes de Dentro (VdD), uma espécie de ‘tradição’ nesta época do ano. “Um período que todos sabemos ser sensível, porque a nossa cultura o torna festivo, mas torna-se dissonante para aqueles que estão sozinhos, deslocados ou deprimidos. A greve dos guardas prisionais torna a situação das pessoas reclusas ainda mais isolante e dramática”, alerta o colectivo.

Numa mensagem enviada ao Afrolink e partilhada nas suas redes sociais, o VdD sublinha que essa é uma situação que se repete “há mais de uma década”, com um impacto profundo sobre os direitos da população reclusa.

“É demonstrativo da desumanidade, abandono, violência, tortura e isolamento que o Estado e os profissionais exercem sobre as pessoas  presas. Dizem que prendem para reinserir, mas na verdade, quem é presa é vítima de uma série de violações de direitos, por parte do Estado, que se estendem às famílias e crianças filhas das pessoas presas”.

Lembrando que as greves começaram durante o mês de Novembro, “e vão estender-se, como já é habitual, até Janeiro”, o grupo composto por “pessoas presas e por pessoas que do outro lado dos muros acompanham e participam nas lutas das pessoas reclusas e das suas famílias”, apela a uma concentração em frente ao Estabelecimento Prisional de Lisboa no próximo sábado, 31, às 17h.

Ao mesmo tempo, o colectivo alerta para algumas das consequências dessa paralisação. A começar no facto de a celas ficarem fechadas por períodos maiores, podendo chegar às 22h.

Os efeitos das greves elencados pelo VdD incluem ainda:

  • “suspensão de actividades laborais, educativas, culturais e religiosas (para quem tem acesso, nas prisões onde as há);
  • suspensão total ou parcial das visitas;
  • suspensão total ou parcial da recepção de encomendas e da recepção e envio de correspondência, em alguns casos pode ser gravíssimo sendo que há presos que necessitam de tomar medicação específica e que são as famílias quem têm de comprar e providenciar;
  • não acesso ou acesso muito limitado à cantina para a compra de produtos essenciais (escassos e de baixa qualidade, sobretudo os alimentares, e com preços mais altos que no exterior);
  • maior limitação de acesso ao uso das cabines telefónicas;
  • ainda maior demora no atendimento das técnicas reeducadoras fundamentais para os diversos procedimentos: pedidos de precária, de visitas, flexibilização de penas, etc;
  • limitações no transporte para audiências, idas ao hospital, etc;
  • cancelamento de transferências entre EPs: presos que há meses esperam a transferência para perto das suas famílias e crianças, que agora são impedidos de transitar;
  • maior negligência médica, ao mesmo tempo que se agravam as condições de vida desumanas nas prisões com graves efeitos na saúde física e psicológica das pessoas presas;
  • há EPs onde estão a desligar a luz e a televisão ao fim do dia; outro onde as cabines ficaram sem funcionar durante dois dias;
  • pessoas presas com crianças, familiares doentes, entre outras situações, ficam ainda mais desesperadas ao ficarem sem possibilidade de contacto;
  • o dinheiro que familiares e amigos depositam nas contas das pessoas presas e que são essenciais para a sua sobrevivência na prisão ficam retidos. Não esquecendo que com greve ou sem greve isto acontece com regularidade e em muitos casos o dinheiro nunca chega, ficando nas mãos das direcções das prisões.”

Neste contexto, o VdD questiona: “Como é possível ter prisões a funcionar em serviços mínimos, quando isso significa violações ainda mais graves aos direitos humanos das pessoas presas e das suas famílias, já comuns nas prisões?”.

Em protesto contra essa realidade, e inspirando-se no que é feito noutros países, o grupo organiza a concentração do próximo sábado. “Para dizermos às pessoas dentro dos muros que não estão sozinhas, que lutamos com elas, que comemoramos com
elas!”.