Agora falho eu – naquele jeito humano para desencantar racistas
por Paula Cardoso
Naquele momento decisivo, em que o remate habitualmente certeiro não acerta na baliza, em que o passe habitualmente magistral fica pelo caminho, ou em que as pernas habitualmente inesgotáveis não chegam para interceptar a jogada adversária e impor o desejado corte, sabemos que o prolongamento fora das quatro linhas vai ser esgotante.
Sabemos porque sentimos na nossa pele negra o peso da cobrança constante em tudo o que fazemos. Seja na sala de aulas, quando ainda estamos a estudar, seja mais tarde no mercado de trabalho, qualquer que seja a nossa ocupação.
Como se tivéssemos de provar, a cada momento e em todos os lugares, que merecemos a oportunidade de estar onde estamos.
Kylian Mbappé pela França, Jadon Sancho, Bukayo Saka e Marcus Rashford pela Inglaterra estiveram no último europeu de futebol, e essa presença – tolerada nas vitórias – tornou-se insuportável na hora da derrota. E isso só surpreende quem continua a negar o óbvio: que o racismo goza de carta branca para se desmarcar impunemente.
Não é um problema de fair play, é racismo, e é estrutural
Podem chover bananas sobre os corpos negros que vemos em campo, enquanto se imitam sons de macacos. Podem dirigir-se insultos racistas dentro e fora das quatro linhas, e, ainda assim, persiste a negação, ou a desvalorização. Porque no futebol não há racismo, dizem uns, rápidos em apontar que o problema está na falta de fair play.
Não falta também quem aproveite a discussão sobre os insultos racistas dirigidos a Mbappé, Sancho, Saka e Rashford, após falharem penalties decisivos, para recordar que “nem tudo é mau, porque o Éder teve a oportunidade de entregar a Taça”.
E é também nisto que enguiçamos, nesta incapacidade de discutir o racismo com todas as suas agravantes, sem uma obsessão de apontar atenuantes.
“Talvez fosse altura de percebermos que na maioria dos casos, apesar de ‘raça’ e classe serem inseparáveis, “as desigualdades raciais existentes são agravadas, e não eliminadas, pelas desigualdades de classe””, lembra-nos Mamadou Ba, num post que partilhou sobre os casos Mbappé, Sancho, Saka e Rashford.
O activista defende que esse exercício “seria já um bom ponto de partida para compreender o racismo estrutural nas suas diversas formas de expressão, em vez das habituais invectivas sobre o fomento de polarização social, acusações de divisionismo ou de falta de consistência ideológica e doutrinária”.
Continuamos em jogo mais logo n’ O Lado Negro da Força. Para ver no Facebook e no YouTube, a partir das 21h.


