As balas policiais que mataram Tony ficaram ‘perdidas’, mas não esquecidas


O próximo domingo, 17, é dia de homenagear a memória de Manuel António Tavares Pereira, assassinado a 20 de Junho de 2002 durante uma intervenção policial na Bela Vista, em Setúbal. Tony tinha 24 anos, e preparava um evento comunitário quando foi atingido no peito com duas balas de borracha. O agente autor dos disparos acabou ilibado, enquanto o dirigente do SOS Racismo, José Falcão, foi condenado por difamação a três juízes que em 2004 julgaram o caso. Importa lembrar! Por isso, a Frente Anti-Racista, em conjunto com a família e amigos do Tony, realiza essa homenagem na Bela Vista, a partir das 15h.

por Afrolink

A sensação de déjà vu instala-se à medida que navegamos pela história Tony, assassinado a 20 de Junho de 2002 durante uma intervenção policial na Bela Vista, em Setúbal.

“Tinha o mundo dentro dele, e por isso criou um projecto com o nome “Viver a Diversidade””, introduz a Frente Anti-Racista, no texto de divulgação da homenagem que está a organizar em memória do falecido activista.

A iniciativa, preparada com família e amigos, acontece no próximo domingo, na mesma morada onde Tony – também conhecido por Xuati – foi atingido no peito com duas balas de borracha, disparadas por um agente. Tinha 24 anos e fazia do lema “Todos diferentes, todos iguais” um modo de vida.

“Era membro do Centro Cultural Africano há 5 anos, e fez, até ao dia da sua morte, voluntariado com crianças em situação de risco”, recorda quem os conheceu, sem esquecer o gosto pela música tradicional africana.

“Dia 17, em cada rua e em cada esquina da Bela Vista vai ser celebrado amor, paz e união porque dia 17, em cada esquina e em cada rua vai renascer um Tony”. 

Até lá, partilhamos um artigo publicado no 1.º aniversário da sua morte, acrescentando que agente autor dos disparos acabou ilibado. Pelo contrário, o dirigente do SOS Racismo, José Falcão, foi condenado por difamação a três juízes que em 2004 julgaram o caso.

Importa lembrar! Por isso, reproduzimos excertos do texto publicado pela Página Vermelha:

“António Pereira, ou Tony, como era conhecido, era um activista do Centro Cultural Africano (CCA), e foi morto a tiro quando tentava resolver um conflito entre amigos. As circunstâncias exactas da morte continuam por esclarecer (…) Mas algumas certezas existem: nenhum dos intervenientes – excepto o polícia – estava armado e nunca houve nenhuma ameaça que pudesse suscitar uma reacção tão extrema por parte dos agentes. É também conhecido o passado de conflito entre a população e a polícia instalada no bairro.

As horas que se seguiram ao assassinato foram de uma violência raramente vista em Portugal, com uma ocupação policial de todo o bairro, incluindo várias unidades da Polícia de Choque e a presença dos GOEs (que ocuparam posições estratégicas nos telhados). As autoridades repressivas sabiam a dimensão da revolta que tinham acabado de criara e a capacidade de resposta de uma população ultrajada. 

Durante várias horas, a polícia disparou indiscriminadamente, espalhando o pânico entre os habitantes e ferindo várias pessoas. A população foi impedida de sair de casa, ou de regressar a casa. Apenas a determinação dos jovens que enfrentaram a polícia e a presença da imprensa impediu consequências mais graves. Os jovens cercaram a muito odiada esquadra da polícia instalada no bairro. Durante vários dias a tensão esteve presente no bairro. Uma gigantesca manifestação viria a percorrer as ruas de Setúbal, mostrando a férrea unidade então conseguida entre os jovens, a qual não se voltou a repetir com a mesma dimensão.

Tony era conhecido no bairro pelo seu comportamento exemplar, em particular pelas suas actividades no CCA, incluindo a sua dedicação às crianças apoiadas pelo CCA e o seu envolvimento nas actividades musicais e de dança. Dificilmente se poderia confundir com a imagem de marginal com que a polícia o tentou caluniar, e que a o poder e a imprensa têm tentado colar aos jovens do bairro. 

Ao polícia que assassinou Tony nada aconteceu. Apenas foi mudado de local de trabalho, afastando-o assim da ira popular, mantendo o seu salário e a sua ligação à instituição, durante o ano entretanto passado. Apenas ao fim de um ano foi concluído o inquérito interno, e suspenso o polícia, por “coincidência” uns dias antes do aniversário da morte, e pouco depois da Amnistia Internacional ter revelado o seu relatório sobre Portugal, onde o caso da Bela Vista era citado como um exemplo do “uso controverso de armas de fogo” por parte da polícia. 

Simultaneamente, são conhecidas as pressões directas ou indirectas sobre as testemunhas e os amigos de Tony (veja-se a sua ausência do marcha de homenagem). A principal testemunha apareceu “misteriosamente” espancada, e nunca mais recuperou a normalidade, estando esse jovem internado há vários meses e não conseguindo pronunciar uma única frase coerente.

É urgente a criação de uma elevada consciência de resistência no bairro da Bela Vista, Para tal há que eliminar também o espírito conciliador, muito disseminado no bairro, de algumas organizações que fazem tudo para “evitar o conflito”, levando a que quem se revolte acabe por ficar desamparado e seja obrigado a recuar, com consequências trágicas. É necessário que os elementos mais avançados das massas se organizem e elevem o nível de resistência, para que os crimes policiais como o que levou a vida do Tony não mais fiquem impunes”.