Lumumba: “África escreverá a sua História, uma História de glória e dignidade”

Que referências nos acompanham na nossa construção de negritude e africanidade? Quais os livros, filmes, séries, discografia ou palestras que nos ajudaram a desmontar a armadilha da história única? Publicamos, neste espaço, sugestões que espelham esse despertar identitário. Hoje, dia em que se assinala o 60.º aniversário do assassinato de Patrice-Émery Lumumba, destacamos a publicação da Falas Afrikanas intitulada “Chora, ó Negro, Irmão bem-amado”, que reúne três textos do herói da luta pela Independência da República Democrática do Congo. Um registo valioso, enriquecido pelas palavras de Amílcar Cabral, em reacção ao crime que tirou a vida a Lumumba. A 17 de Janeiro de 1961.

por Afrolink

Nove dias antes de ser assassinado, Patrice Lumumba, herói da luta pela Independência da República Democrática do Congo (RDC), despedia-se, numa carta, da companheira Pauline. A missiva, escrita na prisão a 8 de Janeiro de 1961, permite-nos conhecer um pouco dos combates que travou, e da sabotagem criminosa que encontrou.

“Ao longo de toda a minha luta pela independência do nosso país, jamais duvidámos, nem por um instante, do triunfo final da causa sagrada à qual os meus companheiros e eu dedicámos a nossa vida”, escreveu o líder histórico, peremptório na responsabilização das forças internacionais pelo sangrento destino do Congo.

A armadilha das forças internacionais

“O que desejávamos para o nosso país, o seu direito a uma vida honrada, a uma dignidade sem cedências e a uma independência sem restrições, o colonialismo belga e os seus aliados, que encontraram apoio directo ou indirecto assumido ou não, junto de alguns altos funcionários das Nações Unidas, organismo no qual tínhamos depositado toda a nossa confiança quando apelámos à nossa assistência, nunca o quiseram. Foram eles que corromperam alguns dos nossos compatriotas e compraram outros. Contribuíram para distorcer a verdade e minar a nossa Independência”.

O testemunho do primeiro primeiro-ministro do Congo independente, imortalizado na carta enviada a Pauline Lumumba, integra a publicação “Chora, ó Negro, Irmão bem-amado”, editada pela Falas Afrikanas, com traduções de Apolo de Carvalho, José Santy Jr. e Zetho Cunha Gonçalves.

Além de “A última carta à sua esposa Pauline”(8 de Janeiro de 1961), traduzida por Santy Jr., a selecção de textos assinados por Patrice Lumumba inclui o poema que lhe dá título – “Chora, ó Negro, Irmão bem-amado” (1959) –, a que se junta o “Discurso na proclamação da Independência do Congo”, proferido a 30 de Junho de 1960.

O trabalho, construído a partir da antologia de textos do líder histórico “Pleure, Ô Noir, frère bien-aimé”, oferece-nos um registo documental valioso sobre o carácter e a luta de Lumumba, enriquecido pelas palavras de Amílcar Cabral, em reacção o seu desaparecimento.

Porque é que Lumumba foi friamente tramado e excutado?

“Porque foi friamente tramado e excutado esse bárbaro assassinato?”, questionava, num discurso de Fevereiro de 1961, o fundador do PAIGC, sem titubear na resposta.

“Porque quando o colonialismo é forçado a retirar, ele deixa em seu lugar o neocolonialismo e o Imperialismo, tanto ou mais perigosos que o primeiro. Porque no Congo os imperialistas tinham os seus dias contados enquanto vivesse Lumumba. Porque Lumumba era um verdadeiro africano que não se deixava comprar ou ser comandado pelos imperialistas. Porque Lumumba era um patriota que lutava pela unidade dos povos do Congo e uma verdadeira Independência do seu país. (…) Porque Lumumba teve a coragem de lhes dizer publicamente: colonialistas e imperialistas, fora de África! Basta de exploração das nossas terras”.

Um destino que continua por cumprir

Na análise, disponível nos arquivos de Amílcar Cabral na Casa Comum da Fundação Mário Soares em Lisboa, o líder pan-africanista desfaz a teia internacional que conduziu à execução de Lumumba, sublinhando a importância de honrar o seu legado. “Lumumba morreu, para que a África viva, livre, independente, e unida”, escreveu.

Um destino que continua por cumprir, e uma história que permanece por contar.

“A História revelará um dia o seu veredicto, mas não será a História que se ensinará em Bruxelas, Paris, Washington, ou nas Nações Unidas; será aquela que se ensinará nos países libertados do jugo do colonialismo e das suas marionetas”, profetizou Lumumba, na carta escrita à companheira Pauline, acrescentando: “África escreverá a sua própria História e ela será, a norte e a sul do Sahara, uma História de glória e de dignidade”.

“Chora, ó Negro, Irmão Bem-Amado”

Pode ser encomendado ao projecto editorial Falas Afrikanas

Mas também está disponível nas livrarias:

Dentu Zona (Amadora/Damaia/Cova da Moura)

Galileu (Cascais)

Círculo das Letras, Colibri, Leituria, Letra Livre, Livraria da Lapa, Papelaria Fonsecas, Sirigaita, SNOB, Tigre de Papel, Zé dos Bois (Lisboa)

Gato Vadio (Porto)

Uni Verso (Setúbal)

A das Artes (Sines)

Espadella (Santiago de Compostela/Galiza/Espanha)

Livrarias online: Nimba, Tchatuvela