Multa de 435,76 euros pela “liberdade” de exibir racismo – Quem paga?

Em 2019, a jornalista Tânia Laranjo usou a sua página pessoal no Facebook para “oferecer” duas pessoas negras como se fossem mercadoria: a então deputada à Assembleia da República, Joacine Katar Moreira, e o dirigente do SOS Racismo, Mamadou Ba. “Black Friday. Promoção especial: leve dois e não pague nenhum”, anunciou a grande repórter do Correio da Manhã, sem deixar margem para dúvidas sobre o valor nulo que atribui às vidas de Joacine e Mamadou. Incapaz de reconhecer as raízes racistas e escravocratas da sua publicação, em forma de ‘meme´, a jornalista rejeitou as acusações de discriminação e apelou ao sentido de humor dos ofendidos. Afinal, insistiu em praguejar: foi tudo a brincar! Mais de três anos depois, a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) vem dizer que a “brincadeira” custa 435,76 euros. Este é o valor da coima fixada pela Comissão Permanente da CICDR que apreciou o caso, e “decidiu pela condenação da arguida pela prática discriminatória em razão da cor de pele”. Sabe a pouco, devemos exigir muito mais. Mas lembremo-nos do que noticiou o Público no passado mês de Agosto: “Das cerca de 2.000 queixas apresentadas à CICDR entre 2017 e 2021, resultaram apenas 30 decisões condenatórias”. Ilibam-se os racistas, pagamos nós.

por Paula Cardoso

Terminar o ano com a notícia da condenação de uma jornalista “pela prática discriminatória em razão da cor de pele” deveria ser uma boa notícia. Mais ainda quando a novidade chega de um organismo que, entre 2017 e 2021, apenas emitiu 30 decisões condenatórias num universo de cerca de 2.000 queixas recebidas.

Mas que parco sentido de Justiça seria o meu se, diante de um caso de racismo, me congratulasse com o pagamento de uma multa de 435,76 euros?

Pior ainda se considerarmos que a arguida é jornalista, e que todo este caso compromete o seu estatuto de independência e a sua integridade profissional, fundamentais para o exercício da actividade.

Aliás, as acusações que lhe são dirigidas – de violação reiterada das regras do jornalismo – são muito anteriores a este processo.

Useira e vezeira em atropelar o Código Deontológico do jornalista – ao abrigo do qual “deve rejeitar o tratamento discriminatório das pessoas em função da ascendência, cor, etnia, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social, idade, sexo, género ou orientação sexual” –, Tânia Laranjo mantém incólume o seu estatuto de grande repórter do Correio da Manhã.

Pouco importa que tenha ido para as redes sociais “oferecer” duas pessoas negras como se fossem mercadoria.

O caso remonta a 2019, tem o Facebook como palco, e coloca sob a mira racista a então deputada à Assembleia da República, Joacine Katar Moreira, e o dirigente do SOS Racismo, Mamadou Ba.

“Black Friday. Promoção especial: leve dois e não pague nenhum”, anunciava a jornalista, que divulgou essa mensagem em forma de ‘meme’, demonstrativo do valor nulo que atribui às vidas de Joacine e Mamadou.

“Não resisto”, escreveu na altura Tânia Laranjo, como quem se deixa seduzir pela tentação de ser racista.

Incapaz de reconhecer as raízes racistas e escravocratas da sua publicação, a jornalista rejeitou as acusações de discriminação e apelou ao sentido de humor dos ofendidos. Afinal, insistiu em praguejar: foi tudo a brincar! Só que nunca é!

Impunidade à vista?

Mais de três anos depois, a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) vem dizer que a “brincadeira” custa 435,76 euros.

Apesar de assinalar, na sua decisão, que algumas reacções “foram no sentido de censurar a publicação e a sua conotação ofensiva e discriminatória”, a CICDR sublinha que o post “gerou também comentários ofensivos, de incitamento à discriminação racial e ao ódio por vários utilizadores”.

O reconhecimento dos contornos racistas deste caso por parte da CICDR sabe a pouco, não apenas pelo valor fixado para a coima, mas, sobretudo, pelo coro de silêncio que o acompanha.

À época, o Correio da Manhã comunicou que o assunto seria discutido e analisado internamente, enquanto o Sindicato dos Jornalistas adiantava que a questão tinha sido remetida ao seu Conselho Deontológico.

2020 e 2021 passaram, 2022 está quase a acabar e o que salta à vista é que a jornalista visada continuou a “brincar”. Tanto que agora diz que vai recorrer da decisão. Quem paga tamanha sede de  impunidade?