“Na Pó di Spéra: entre o apagamento e a resistência” – remapeando memórias

De regresso ao site “ReMapping Memories Lisboa – Hamburg”, que nos permite resgatar vidas e lutas negras apagadas da memória, encontramos uma reflexão sobre “bairro”, construída a partir de uma Amadora vivida entre a Estrada Militar, Santa Filomena e Encosta Nascente. O caminho até essa cidade da periferia lisboeta é-nos apresentado pela historiadora militante e interdisciplinar Sónia Vaz Borges, no texto “Na Pó di Spéra: entre o apagamento e a resistência”. Para ler e reter.

Texto por Afrolink

Fotos de Rui Sérgio Afonso e ilustrações de Francisco Vidal

Online desde Outubro, o site “ReMapping Memories Lisboa – Hamburg” continua a actualizar coordenadas em busca de “modos de inscrever outras histórias nos debates sobre as disputas de memória e estratégias de descolonialização das cidades europeias”.

A iniciativa, promovida pelo Goethe-Institut Portugal, procura igualmente “evidenciar como as relações de poder de matriz colonial perduram até hoje”, exercício produzido a partir de uma série de artigos, ensaios e reportagens “produzidos por uma diversidade de agentes culturais, investigadores, ativistas, escritores e jornalistas”.

O relevante acervo reúne já perto de 30 lugares de memória, com o mais recente a transporta-nos para uma Amadora vivida entre a Estrada Militar, Santa Filomena e Encosta Nascente.

A ‘viagem’, a partir do texto “Na Pó di Spéra: entre o apagamento e a resistência”, assinado pela historiadora militante e interdisciplinar Sónia Vaz Borges, permite-nos uma reflexão sobre a ideia de “bairro”, conforme lemos na introdução ao artigo.

O bairro além do bairro 

“O bairro é objecto de vários estudos académicos, reportagens mediáticas, políticas urbanas, projectos sociais e de intervenção, e está em constante convivência com forte presença policial armada, pelo que o bairro que agora conhecemos é fruto de um discurso social, práticas culturais e políticas que vêm sendo (re)produzidas e (re)construídas ao longo dos anos”, assinala Sónia, cruzando olhares sobre esta realidade.

“Para estudos académicos, o bairro e os seus habitantes são considerados apenas enquanto lugar para reunir informações que confirmem as suas teorias. Para as políticas municipais, o território é apenas uma dor de cabeça e um problema a ser resolvido, como uma mancha nos objectivos do município de uma cidade limpa e agradável”, contrapõe.

A especialista nota também que “nos imaginários distorcidos portugueses, quando nos referimos ao bairro, situado na Amadora, o termo adquire imediata conotação negativa, associado a um espaço periférico, marcado pela ilegalidade, precariedade e construções inacabadas, habitado por pobres imigrantes negros, africanos e seus descendentes”.

Sónia acrescenta que “o que normalmente não se diz ou se leva em consideração é que este espaço está repleto de elementos históricos e sociais (que vão desde a construção de saberes, métodos e negociações), carrega histórias que os habitantes trouxeram e também é fruto de redes e estratégias de sobrevivência desenvolvidas pelos habitantes”. Para conhecer melhor no site “ReMapping Memories Lisboa – Hamburg”. 

A par dos artigos, ensaios e reportagens, o site agrega também entrevistas a figuras como a deputada e activista Beatriz Gomes Dias, a socióloga Cristina Roldão, o etnólogo francês Jean-Yves Loude e o activista Mamadou Ba.

Com coordenação da editora e investigadora Marta Lança, o projecto apresenta ainda uma forte componente visual “com intervenções do artista Francisco Vidal e fotografias e vídeos de Rui Sérgio Afonso, complementados por imagens de arquivo”.

Contra apagamentos.