O clique que nos aproxima de negócios com identidade africana

Nasceu para ser aplicação, transformou-se numa plataforma digital, e está online desde a semana passada, disposta a encurtar distâncias até restaurantes, barbearias, cabeleireiros, lojas e eventos africanos em Portugal. Chama-se Òdàrà, e tem a assinatura do guineense Onésio Intumbo.

por Paula Cardoso

Lisboa, Coimbra e Porto para começar, Portugal inteiro por desbravar e, a cada cidade, o mesmo destino: localizar espaços comerciais que tenham identidade africana. Este é o roteiro do negócio traçado por Onésio Intumbo, e concretizado através da plataforma Òdàrà.

Online desde a semana passada, o projecto começou a ser desenvolvido no período de confinamento, disposto a mapear “tudo o que acontece relacionado com a comunidade negra”.

Para já com 13 marcas referenciadas, entre restaurantes, barbearias, cabeleireiros e lojas de cosmética – presentes nas três cidades portuguesas que dão arranque a este texto –, a Òdàrà ambiciona cobrir todo o país, mas não só.

“Primeiro quero que a marca seja conhecida cá, e depois alargar para outros mercados”, planeia Onésio, desde uma ida ao barbeiro desperto para a importância desse mapeamento afrocentrado.

“Queria cortar o cabelo, mas a barbearia a que costumo ir estava fechada, acho que para férias. Por isso entrei noutra, de um senhor branco, e, logo quando entrei, o pessoal que estava lá dentro começou a olhar para mim de uma forma estranha”.

Ao encontro de uma necessidade comum

O escrutínio ocular não demoveu Onésio do corte – “estava inocente e tranquilo” –, mas a resposta sim.

“O senhor indicou-me um barbeiro negro, que ficava ali perto e acabei por lá ir”.

A história aconteceu em Coimbra, onde o guineense vive desde que saiu de Bissau, em 2002, e, apesar do choque inicial, é recordada sem sombra de preconceito.

“Não acho que o senhor me estivesse a discriminar, apenas nunca tinha lidado com o cabelo afro, e ficou com receio de fazer um mau serviço”.

Longe de ser um caso isolado, o episódio destapou uma realidade comum. “Outros colegas meus passaram pelo mesmo. Sempre que iam a um barbeiro branco ouviam que ali não sabem cortar cabelos de negros, a não ser que seja pente zero”.

Para que outros não tenham a mesma experiência, nasceu a plataforma Òdàrà, inicialmente concebida em formato de aplicação.

“Tive de pensar na parte social, no tipo de ferramentas que têm as pessoas que possuem esses negócios. Foi isso que me fez mudar de estratégia”.

Colocar a periferia no centro

Atento às necessidades dos comerciantes, empreendedores e empresários que pretende captar, Onésio, de 30 anos, propõe-se satisfazê-las.

“A maioria dos negócios africanos estão na periferia, onde muitas vezes o acesso é complicado”, nota o guineense, colocando as aprendizagens da licenciatura em Turismo em prática.

“É preciso mudar isto, porque o acesso é tudo para atrair pessoas”.

Mais do que tornar os espaços comerciais pesquisáveis para potenciais novos clientes, Onésio pretende divulgar eventos afrocentrados  – quem quiser pode registá-los na plataforma – e promover  uma maior profissionalização dos proprietários.

“Noto que muitos passam os dias preocupados apenas em pagar as contas, não pensam numa estrutura mais empresarial”.

O resultado, lamenta, é que muitos negócios acabam por fechar antes do primeiro ano de funcionamento.

Formar para potenciar

Confiante no poder da formação para mudar esse destino, Onésio quer facilitar a ligação entre o Estado português e os negócios afro.

A ideia, explica o empreendedor, é tornar este mercado visível e apetecível, mobilizando ferramentas de capacitação e valorização de competências.

“Quanto melhor a estrutura dos negócios, melhor para todos”.

Desde conteúdos na área da qualidade alimentar, apoio à legalização dos espaços, noções de marketing, e tantas outras valências indispensáveis à sustentabilidade dos projectos, a Òdàrà pretende ganhar autoridade na potenciação deste mercado.

“Mas é preciso ter cuidado com o tipo de profissionalização que se vai criar”, sublinha Onésio, defendendo que a mesma não deve ser sinónimo de descaracterização.

“Há uma certa informalidade própria do meio afro, que, por muito que possa ser o calcanhar de Aquiles, também é o nosso charme”. Para conhecer à distância de um clique, e com inspiração divina.

“Fui buscar o nome Òdàrà, de matriz iorubá, às divindades africanas”, conta Onésio, confiante na força dos orixás para abrir caminhos de superação.