O racismo que baila como tradição, e reifica o “preto, imperador de macacos”

É uma tradição portuguesa com certeza: negar a existência de racismo, e acusar quem o denuncia de hipersensibilidade, paranóia identitária e mania da perseguição. Assistimos à encenação de “Portugal não é um país racista” todos os dias, há demasiado tempo, mas ainda nos conseguimos surpreender com as tentativas de desmentir o indesmentível. Para o autarca de Penafiel, por exemplo, organizar um evento intitulado “Baile dos Pretos”, popularizado por cantorias racistas – “O Preto é o rei dos matos/Imperador de macacos/Não posso levar avante/Pretinho andar de Sapatos’ ou ‘Trabalhai Pretos cachorros/Trabalhai com devoção/Já que el-rei vos deixou forros/Ide-lhe beijar na mão” – é respeitar a história e a cultura. Foi por isso com assumida insatisfação que cancelou a ‘celebração’, responsabilizando os “puritanismos” e o “politicamente correcto” pelo fim do evento. Comentamos mais logo n’ O Lado Negro da Força.

 

por Afrolink

Pintam as caras de negro, ignorando que o blackface é uma prática comprovadamente racista. Leia-se aqui um dos inúmeros artigos que educam sobre o tema.

Não satisfeitos com a celebração dessa violência, visualmente evidenciada, acrescentam à pintura agressões verbais cantadas: “O Preto é o rei dos matos/Imperador de macacos/Não posso levar avante/Pretinho andar de Sapatos’ ou ‘Trabalhai Pretos cachorros/Trabalhai com devoção/Já que el-rei vos deixou forros/Ide-lhe beijar na mão”.

Fazem tudo isso desde 2011 no município de Penafiel a pretexto do resgate de uma tradição, que se anuncia ofensiva logo na designação: “Baile dos Pretos”. Leia-se aqui uma partilha sobre o uso da palavra “preto”.

Fazem tudo isso desde 2011 e agora deixarão de o fazer porque “há aí uns puritanismos”, segundo nos explica o defensor máximo da aberração, autarca de Penafiel.

Sim, Antonino de Sousa, o presidente da câmara que solta a voz contra os “puritanismos”, lamenta o fim do “Baile dos Pretos”.

“É pena porque é uma tradição antiga, mas o politicamente correcto obriga-nos a essas coisas”, declarou o responsável, insistindo na importância do evento, que tem acontecido no âmbito das Festas do Corpo de Deus.

“Assisto há tantos anos (…) e nunca ninguém se sentiu melindrado com aqueles cantares, porque sempre foram interpretados como uma questão histórica”, apontou, desprezando o facto de se tratar de um evento “manifestamente desadequado e desajustado nos dias de hoje”, conforme assinalou um grupo de deputados do PS que, em 2019, contestaram, na Assembleia da República, a iniciativa.

Na altura, o “Baile dos Pretos” captou a atenção dos parlamentares por causa de uma candidatura ao programa “7 maravilhas de Portugal”, da RTP.

Dois anos de restrições pandémicas depois, os argumentos apresentados pelos socialistas ainda não convenceram o autarca de Penafiel. Também por isso, nunca é demais recordar: “O respeito pelas tradições não se pode sobrepor ao respeito que, enquanto cidadãos, temos por todas as pessoas, na sua enriquecedora diversidade. No nosso entender, ‘manifestações culturais’ como esta normalizam hoje uma ideia de menorização, que deve estar definitivamente ultrapassada. Cremos que é missão pública de quem tem o dever de informar promover actividades, eventos e iniciativas que se pautem pelo respeito entre todos e combatam qualquer prática discriminatória”.

Comentamos mais logo n’ O Lado Negro da Força.

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