Os versos de Caetano Costa Alegre, o “criador da negritude em poesia”

“Um povo sem o conhecimento da sua história, origem e cultura é como uma árvore sem raízes”, escreveu o jamaicano Marcus Garvey, um dos ícones maiores do movimento pan-africano. Retomamos aqui o seu pensamento para enquadrar as linhas que se seguem. Com actualização semanal, darão a conhecer, de forma sucinta, figuras e episódios que fazem parte do legado negro. Caetano da Costa Alegre, nascido em 1864 em São Tomé e Príncipe, mudou-se para Portugal com o objectivo de se tornar médico naval, mas foi como “criador da negritude em poesia” que se notabilizou.

por Paula Cardoso

A tuberculose roubou-lhe a vida, precocemente terminada dias antes de completar 26 anos. Nascido em São Tomé e Príncipe em 1864, Caetano da Costa Alegre morreu em Portugal em 1890, cerca de oito anos depois de chegar ao país, para prosseguir os estudos.

Primeiro no Liceu Central e na Escola Politécnica, e depois na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa – passagens assinaladas em Dictionary of African Biography de Emmanuel Kwaku Akyeampong e Henry Louis Gates Jr. –, Costa Alegre sucumbiu à doença sem cumprir o sonho de se tornar médico naval.

A morte precoce não impediu, porém, que deixasse um legado na história da literatura lusófona, condensado pelo seu conterrâneo Manuel Ferreira no título de “criador da negritude em poesia”.

Já José Francisco Costa, destaca, em “Poesia africana de língua portuguesa – Cronópios, Literatura e Arte no Plural”, o facto de o são-tomense ter sido “um dos primeiros poetas africanos a ter consciência da sua cor”.

Autor de “Versos”, obra única publicada depois da sua morte, Costa Alegre é “designado “romântico tardio” ou ultrarromântico por críticos das literaturas africanas de expressão portuguesa”, assinala Naduska Mário Palmeira, no trabalho  “O canto de Caetano da Costa Alegre no contexto do final do séc. XIX em Portugal”.

O texto, publicado na Revista Crioula nº 20, de 2017, ajuda-nos a navegar pelos versos do são-tomense, publicados pela primeira vez em 1916 e, republicados noutras três edições, de 1950, 1951 e 1994.

“No  prefácio  à  edição  dos  Versos  de  1994,  da  Imprensa  Nacional/Casa da Moeda, Lisboa, Francisco Soares empreende  exaustivo  estudo  da  obra  de  Costa  Alegre.  O estudioso procura, entre outras análises de cunho formal, desestigmatizar a imagem que Cruz Magalhães, autor de “Saudade”, texto datado de 1890, constrói, em elogio póstumo, ao amigo e poeta”, considera Naduska Mário Palmeira.

Apesar de reconhecer a Artur da Cruz Magalhães (1864-1928), o mérito de ter reunido e publicado, em 1916, toda a obra do poeta são-tomense, a autora de “O canto de Caetano da Costa Alegre no contexto do final do séc. XIX em Portugal” contesta a sua leitura.

A exaltação da beleza negra

“Ele deixa marcada a ideia de que Costa Alegre era um jovem infeliz e retraído, por conta da ‘suprema injustiça de ser negro’”, observa Naduska, doutora em Letras Vernáculas – Literaturas Portuguesa e Africanas, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

“Embora  Cruz  Magalhães  sugerisse  que  “ser  negro”  era  incompatível com o “Bem e [a] Justiça” – por  que Costa Alegre ansiaria de forma “irresistível” –, o trabalho linguístico do  poeta não confirma tal antítese”, defende a especialista brasileira, reconhecendo, porém, que o trabalho do são-tomense pode “acender  uma  discussão  acerca  da  dicotomia  negro versus branco, perpassada por um sentimento resultante das discriminações sofridas pelo poeta”. A poesia de Costa Alegre “não redunda, contudo, num calar-se ou inferiorizar-se pelo facto de ser um homem negro”, salienta Naduska.

A brasileira acrescenta que “não se pode interpretar superficialmente sua poesia reduzindo-a à sua dor pessoal, pois em sua arte de poeta  iniciante  se  plasma  algo  maior:  o  sentimento  de  não-pertencimento  e  de  interdição  aos  prazeres  de  um  jovem de sua época”.

Para a também professora universitária, essa vivência marcou Costa Alegre “como um poeta ainda próximo aos valores que herdou de sua terra e transplantou consigo para a Lisboa do final do século XIX”.

Naduska nota igualmente que a poesia do são-tomense “revela a dolorosa angústia de quem teve a cor como estigma indiciando já, um certo negrismo literário, configurador da etnicidade que marcará a literatura africana de língua portuguesa”.

Nas conclusões de “O canto de Caetano da Costa Alegre no contexto do final do séc. XIX em Portugal”, lemos ainda que o poeta “não rejeitou a sua cor ou a sua nacionalidade”.

Pelo contrário, o são-tomenses “exaltou a beleza da mulher negra, sentiu as tristezas próprias de um jovem rejeitado pelas mulheres da metrópole, versou  as  suas  sensações  e  emoções  em  terra  estrangeira,  enveredou-se  pelo  naturalismo  –  influenciado,  talvez,  pela sua relação com a medicina – desvelou o homem, idealizou o amor romântico, tratou das questões da cores negra e branca como material artístico”.

Isso mesmo revelam estes versos: Ah! Pálida mulher, olha, a noite é negra e tem milhões de estrelas,/ o dia é belo e branco e tem apenas uma.