Racismo não é opinião, é crime, e estes casos provam que não tem de ficar impune

De um lado lemos que a historiadora Fátima Bonifácio vai ser julgada pela prática de um crime de discriminação racial, na sequência de um artigo de opinião publicado em 2019, no qual destilou ódio contra pessoas negras e ciganas. Do outro lado, chega-nos a notícia de que o professor Pedro Cosme Vieira foi despedido da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, na sequência de várias queixas de discriminação, incluindo de racismo, xenofobia e sexismo. Em ambos os casos, assistimos ao reconhecimento de que a liberdade de expressão não pode servir de álibi para pactos de agressão. Duas excepções que confirmam a regra? Ou será que a desafiam? Analisamos mais logo n’ O Lado Negro da Força.

por Afrolink

“Para aumentar o número de contribuintes, é preciso desviar os barcos com a pretalhada que atravessam o Mediterrâneo para o Algarve”, defendeu o professor Pedro Cosme Vieira numa das suas aulas, na Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Prosseguindo com o raciocínio racista, o docente considerou que a solução para “diminuir o número de pensionistas” seria “matá-los”.

As afirmações resultaram numa queixa, apresentada em 2015, e, como tantas outras, encerrada sem consequências de maior.

Não estranha, por isso, que Cosme Vieira tenha reincidido nos “ataques racistas e xenófobos”, conforme relataram mais de 120 alunos, num documento que, no ano passado, motivou mais um inquérito.

Cerca de um ano depois dessa última participação, sabemos agora que o senado da Universidade do Porto decretou o despedimento do docente.

A boa nova chega-nos quase ao mesmo tempo que a notícia de que a historiadora Fátima Bonifácio vai ser julgada pela prática de um crime de discriminação racial, na sequência de um artigo de opinião publicado em 2019, no qual destilou ódio contra pessoas negras e ciganas. 

“Nem uns nem outros descendem dos Direitos Universais do Homem decretados pela Grande Revolução Francesa de 1789. Uns e outros possuem os seus códigos de honra, as suas crenças, cultos e liturgias próprios”, escreveu a agora arguida, rotulando os ciganos de “inassimiláveis”. “É só ver o modo disfuncional como se comportam nos supermercados; é só ver como desrespeitam as mais elementares regras de civismo que presidem à habitação nos bairros sociais e no espaço público em geral”, prosseguiu.

Já sobre a população africana e afrodescendente, Bonifácio sentenciou: “Também se auto-excluem (…) Os africanos são abertamente racistas: detestam os brancos sem rodeios: e detestam-se uns aos outros quando são oriundos de tribos ou ‘nacionalidades’ rivais.”

As palavras motivaram uma queixa-crime apresentada pelo SOS Racismo, inicialmente arquivada pelo Ministério Público (MP).

“Depois do arquivamento pelo MP, o SOS Racismo recorreu da decisão ao Tribunal de Instrução Criminal, que confirmou a decisão. O SOS recorreu então ao Tribunal da Relação de Lisboa, que entendeu que o requerimento deveria ser reapreciado e que existiam indícios da prática do crime. O processo voltou ao TIC de Lisboa, que na altura entendeu que aquele não era o tribunal competente mas sim o de Matosinhos, pois a sede do jornal Público é na Maia”, adiantou o diário, onde a arguida publicou as ofensas.

Na altura, recorda do SOS Racismo em comunicado, “muitas pessoas insurgiram-se contra a participação criminal apresentada, argumentando que a luta política contra o racismo não deveria ser feita no campo judicial. Outras ainda invocaram o direito à liberdade de opinião”.

Reiterando que “nunca se tratou de contrariar qualquer liberdade de expressão, mas sim, de garantir que esta não pode ser invocada para atentar à dignidade humana”, o SOS Racismo sublinha que não se pode “escusar à responsabilidade de denunciar e exigir o cumprimento legal da defesa direitos do/as vítimas do racismo”.

Ainda no comunicado, o movimento reforça o compromisso e motivação com que assume a  sua “intervenção cívica e social, mesmo quando criticado – à direita e à esquerda – por ter recorrido aos instrumentos legais de um Estado de Direito Democrático, para contestar aquilo que reputa como inaceitável e indefensável em Democracia”.

As reflexões prosseguem mais logo n’ O Lado Negro da Força.

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