Racismo, violência e extrema-direita nas forças policiais – comunicado

O SOS Racismo assinala, em comunicado, que a reportagem “Quando o ódio veste farda”: os crimes de polícias e militares nas redes sociais”, produzida pelo recém-lançado Consórcio – Rede de Jornalistas de Investigação, expõe uma realidade há muito denunciada, inclusivamente em relatórios internacionais. O movimento recorda, na mensagem que o Afrolink publica na íntegra, várias situações em que o comportamento criminoso das forças de segurança se evidenciou, sem que daí resultassem consequências. Apela, por isso a que “todas as entidades com responsabilidades nestas matérias – PSP, GNR, Ministério da Administração Interna (MAI), Governo e Presidência a República – se pronunciem, reprovando inequivocamente estes comportamentos e movendo todos os recursos necessários para que os factos sejam investigados e os criminosos sejam efectivamente punidos”. Para já, sabe-se que, na sequência da investigação, o MAI determinou a abertura de um inquérito. Será desta que teremos responsabilização?

Texto por SOS Racismo: Racismo, violência e presença da extrema-direita nas forças policiais portuguesas

Foto de Esquerda.net

Na sequência do trabalho efectuado por um consórcio de jornalistas de investigação, foram identificados 591 elementos das forças de segurança (PSP e GNR), que utilizam as redes sociais para a prática de crimes, em especial, manifestando discursos de ódio racial, xenófobo e misógino, incentivando a violência contra políticos, minorias e mulheres, e manifestando o seu apoio à extrema-direita e, nomeadamente, ao Chega. Neste contexto, importa afirmar o seguinte:

  1. A presença efectiva da extrema-direita e o recuso à violência e a manifestações de discursos de ódio, racismo, xenofobia e misoginia nas forças policiais é uma realidade conhecida, há vários anos, pelas entidades portuguesas.
  2. Ao longo dos últimos anos, a infiltração da extrema-direita nas forças policias foi reconhecida em relatórios de várias organizações internacionais, desde a Amnistia Internacional, à Rede Europeia Contra o Racismo (ENAR), ao Comité da ONU contra a Tortura ou o Grupo de Trabalho da ONU sobre Pessoas de Descendência Africana.
  3. Em 2018, um relatório proferido pela Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI), assinalava a infiltração de elementos de extrema-direita na polícia portuguesa e alertava para vários casos evidentes de violência policial sobre minorias, em especial sobre comunidades negras e ciganas. Nesse mesmo documento, a ECRI defendia também a criação de um órgão independente da polícia, para investigar as acusações de abuso e racismo das forças de segurança. À data, os responsáveis da PSP mostraram-se muito indignados e surpreendidos com o resultado do referido relatório. E certo é que nenhuma medida efectiva foi tomada para apurar as denúncias e combater o fenómeno.
  4. O Comité da ONU contra a Tortura, num trabalho efectuado sobre Portugal em 2019, fez recomendações a propósito da violência policial, alertando para a necessidade de se investigarem todas as acusações de uso excessivo da força e má conduta com motivações racistas por parte da polícia, aplicando-se as devidas sanções a quem tivesse violado a lei.
  5. Também em 2018, e numa entrevista ao jornal Público[1], Margarida Blasco, que então iniciava o seu terceiro mandato à frente da Inspeção-Geral da Administração Interna, reconhecia ter recebido queixas sobre a presença da extrema-direita nas forças policiais. Mais uma vez, nenhuma dessas queixas teve qualquer consequência.
  6. Durante vários anos, Manuel Morais, Agente Principal do Corpo de Intervenção na PSP, denunciou publicamente a presença de elementos da extrema-direita na polícia e o recurso a discursos e manifestações de ódio racial. O seu esforço, uma vez mais, não teve qualquer resultado.
  7. Em 2011, o SOS Racismo apresentou queixas junto do Ministério da Administração Interna e do Ministério Público, sobre a existência de um Fórum digital, gerido por militares da GNR, onde vários elementos da PSP e da GNR expressavam discursos de ódio racial e apelavam à violência contra comunidades racializadas – todos os elementos estavam devidamente identificados no Fórum, as mensagens eram claras, evidentes e objectivamente violentas. Ainda assim, as queixas apresentadas foram arquivadas.
  8. Os factos ora trazidos a público não são uma novidade para ninguém – muito menos para a PSP, para a GNR, para o Ministério da Administração Interna, para o Governo ou para o Ministério Público.
  9. Tais factos deixam claro que a presença da extrema-direita nas forças policiais é uma realidade e que o discurso de ódio é uma prática corrente, com implicações directas na actividade dos agentes – veja-se, por exemplo, o caso da esquadra de Alfragide, que terminou com a condenação efectiva de vários agentes da PSP.
  10. Tais factos revelam também a relação directa entre elementos das forças policiais e o Chega: o auto-proclamado “movimento zero” é, efectivamente, um braço da extrema-direita, com ligações ao Chega.
  11. Este é um momento crucial no contexto histórico, económico e social que atravessamos: a democracia não sobrevive quando as forças policiais praticam crimes, quando manifestam publicamente discursos de ódio e quando violentam e ofendem pessoas – a democracia não sobrevive quando a extrema-direita toma conta do espaço público, do espaço político, das instituições e das forças policiais.
  12. O SOS Racismo apela a que todas as entidades com responsabilidades nestas matérias – PSP, GNR, Ministério da Administração Interna, Governo e Presidência a República – se pronunciem, reprovando inequivocamente estes comportamentos e movendo todos os recursos necessários para que os factos sejam investigados e os criminosos sejam efectivamente punidos.
  13. O SOS Racismo apela ainda à mobilização social contra a extrema-direita, contra a violência racial, xenófoba e racista.
  14. O SOS Racismo congratula ainda o trabalho corajoso e relevante efectuado pelo consórcio de jornalistas de investigação, esperando que o mesmo possa servir para que outras investigações sejam efectuadas, sobretudo no que respeita às relações entre a extrema-direita e elementos das forças policiais.

17 de Novembro de 2022 – SOS RACISMO