“Somos todos africanos, e isto deveria incitar-nos à fraternidade” – Yves Coppens

Que referências nos acompanham na nossa construção de negritude e africanidade? Quais os livros, filmes, séries, discografia ou palestras que nos ajudaram a desmontar a armadilha da história única? Publicamos, uma vez por semana, sugestões que espelham esse despertar identitário. A obra “As minhas estrelas negras”, de Lilian Thuram, apresenta-nos dezenas de retratos de homens e mulheres, para ajudar a desconstruir a ideia de que a história dos africanos e afrodescendentes se resume à escravatura e colonização.

por Paula Cardoso

“Em que momento do vosso percurso escolar ouviram falar dos negros pela primeira vez?”. De cada vez que Lilian Thuram propõe esta reflexão, “a grande maioria, senão a totalidade, dos interlocutores responde: a propósito da escravatura”.

Com Thuram não foi excepção, conforme o próprio descreve na introdução do livro “As minhas estrelas negras”.

“Quando eu era criança, mostraram-me muitas estrelas. Admirei-as e sonhei com elas: Sócrates, Baudelaire, Einstein, Marie Curie, o general De Gaulle, Madre Teresa de Calcutá…Contudo, nunca ninguém me falou de uma estrela negra. As paredes das salas de aula eram brancas, como eram brancas as páginas dos livros de história. Eu ignorava tudo acerca dos meus antepassados”.

Determinado em transformar esta narrativa, o ex-futebolista compilou dezenas de retratos de homens e mulheres negros – desde a “mascote da Humanidade” Lucy ao 44.º Presidente dos EUA, Barack Obama –, exercício que, segundo as suas palavras, lhe permitiu ganhar autoconfiança.

Crente de que “a melhor forma de combater o racismo e a intolerância é através do enriquecimento da nossa consciência e do nosso imaginário”, o antigo campeão do mundo pela França estende a sua intervenção além das páginas de “As minhas estrelas negras”.

“Ninguém nasce racista”

Através da sua Fundação, o ex-atleta percorre escolas de todo o mundo, animado pelo poder transformador da Educação na luta anti-racista.

“Ninguém nasce racista, torna-se racista”, defende, acrescentando que a tarefa da educação continuará por se cumprir enquanto não desafiarmos as representações que estão inscritas no nosso imaginário colectivo. 

“As mentalidades só terão evoluído no dia em que, nos manuais e nos cartazes afixados nas escolas, figurarem cientistas, inventores…de todas as cores, no dia em que for ensinada a história das grandes civilizações africanas, asiáticas ou ameríndias, como as do Mali, as da Índia ou as do México. Só uma mudança de imaginário poderá aproximar-nos e derrubar as barreiras culturais que nos separam”.

Em “As minhas estrelas negras”, esse caminho de transformação é iniciado com a apresentação de Lucy.

“De acordo com a classificação científica, Lucy não era seguramente um ser humano, mas integra o viveiro das espécies que originaram a humanidade (…) é a avó simbólica de todos nós”, lê-se na obra.

A descoberta do seu fóssil, em 1974, é recordada nas primeiras páginas do livro com recurso às memórias de um dos investigadores que integraram a histórica expedição.

“Temos uma só origem. Somos todos africanos, nascidos há três milhões de anos, e isto deveria incitar-nos à fraternidade”, sublinha Yves Coppens.