Wil é um dos melhores copy da Europa, e quer mudar o mapa luso dos criativos

Há apenas dois anos na indústria criativa, Wilmer Carvalho, ou simplesmente Wil, já conquistou o título de melhor jovem copywriter da Europa. A distinção, obtida na Polónia, na edição 2019 dos prémios Eurobest Young Creatives International, impulsionou-o a lançar o projecto “Zona II”, com o qual pretende transformar o mapa português dos criativos, alargando-o às periferias. Em nome de uma maior representatividade negra, mas não só.

por Paula Cardoso

As Artes Visuais nos anos de liceu traçaram a escolha da licenciatura. Mas, ao fim do primeiro semestre em Design de Comunicação, a aventura académica não avançou. “A guita pára a meio do primeiro ano, e…pau! Pára a universidade”.

A interrupção nos estudos, imposta pela necessidade de ganhar dinheiro, não só travou a trajectória inicial de Wilmer Carvalho, como acabou por reconfigurá-la. “Estou no curso e dou por mim a pensar: ‘Eh, pá, se calhar não gosto assim tanto de desenhar, do que que gosto mesmo é dessa outra parte, da comunicação’”.

O encanto por uma via profissional nunca considerada ganhava forma. Porém, o então caloiro Wilmer Carvalho, hoje copywriter premiado, ainda estava longe de perceber o que fazer com a nova consciência vocacional.

“Nem sabia como é que se chamava esta área onde estou, só sabia que me interessava e que sempre gostei de trabalhar a criatividade”.

Estudos hipotecados

A ideia foi amadurecendo entre os ganhos e as perdas de um part-time, até permitir um regresso à faculdade.

Mas agora, em vez de Design de Comunicação na Universidade Lusófona, a escolha recaiu sobre um curso de Marketing e Publicidade no IADE.

“Aí já tinha a cena da comunicação na minha vida, porque também fazia festas. A novidade foi mesmo o marketing. Percebi logo: ‘OK, yá, isto é giro, mas se calhar não é marketing que eu quero, porque não gosto nada desta parte de números, estratégia e não sei quê…”.

As preferências tornaram-se ainda mais claras com a descoberta de um novo mundo. “Vi que curto da parte de ter ideias, e lá me disseram que poderia fazer isso na publicidade”.

Com o rumo mais bem definido, e enquanto conciliava aulas, programação de festas e part-time, as prioridades financeiras voltaram a trocar-lhe as voltas.

“A história repete-se: é preciso guita, tens de ajudar a família, tens de pagar contas, então…corta o IADE”.

De novo afastado dos estudos, após um ano em Marketing e Publicidade, Wil colocou os planos criativos em standby, enquanto ganhava a vida numa loja de desporto.

Wilmer acompanhado de João Araújo, com quem formou dupla na conquista do prémio Eurobest

A ginástica financeira

O percurso cheio de obstáculos é reconstituído pelo copywriter, já depois de cortar uma meta que, há apenas três anos, ameaçava tornar-se inalcançável.

“Comecei a chegar aos 27, continuava a atender clientes na loja, mas nunca me saiu da cabeça a ideia da publicidade, porque tinha amigos na área. Acho que essa foi a minha sorte, porque consegui ter sempre a visão de malta que já lá estava, de malta que chegou facilmente lá, e mesmo sabendo que era malta branca, privilegiada, esse tornou-se o meu horizonte: cedo ou tarde, sabia que também conseguiria entrar”.

Além da pressão da idade e da influência dos amigos, Wil recorda que encontrou motivação na namorada da altura. “Ela dizia-me: ‘Tens bué potencial, não sei o que é que estás a fazer nesta loja’, e eu tinha de explicar que a vida para nós [negros] é diferente”.

O pára-arranca nos estudos confirmava os desencontros de mundos, mesmo para alguém que sempre viveu no centro, e não teve de lidar com a exclusão adicional de se movimentar apenas na periferia.

 

Apesar do historial, a recomendação profissional do amigo Ruben para se inscrever num curso de um ano, aliada ao incentivo da namorada e ao feeling do “é agora ou nunca” deram o empurrão que faltava.

“Não tinha como pagar aquele curso, mas de um lado a minha namorada insistia: ‘Inscreve-te e depois vamos ver se consegues pagar’, do outro lado o meu amigo Ruben, que é copy numa agência, dizia: ‘Puto, isto tens bons directores criativos a darem formação, vai, inscreve-te”.

Wil foi, e durante 12 meses fez um curso intensivo na Flag – Academia de Criatividade Publicitária.

“Aquilo era mês a mês, com os amigos a emprestarem, mete dinheiro daqui, tapa dali, agora não dá, espera só 20 dias, voltar a meter dinheiro…”.

Em busca de uma maior representatividade negra

A ginástica financeira valeu-lhe, no final da formação, a ambicionada e tantas vezes adiada entrada na indústria criativa.

“Sentia que era a última oportunidade, porque já estava muito frustrado. Atendia na loja, mas já nem era feliz ali. Então, naqueles 12 meses dei tudo, fui sempre interessado, estava sempre atento, comecei a fazer networking, a pesquisar no Linkedin, a ver que agências existem, quem são os directores criativos…”.

Nesse processo, conta Wilmer, esteve sempre presente uma preocupação: a procura de um ambiente profissional diverso.  “Começo logo a perceber quais as agências que fazem fit comigo, que têm abertura, que têm um lado mais humano…em que a cultura é fixe, em que não seria discriminado numa entrevista, porque há estas defesas que nós temos, por causa das nossas experiências”, diz, acrescentando que na indústria criativa em que se move apenas conhece outro copywriter negro – o amigo Ruben que lhe deu a dica do tal curso.

Excepções à paisagem cromática que domina no mercado, Wilmer Carvalho e Ruben de Barros demonstram, com prémios, o valor do seu trabalho, propondo a reflexão: o que a indústria andará a perder pela incapacidade de se diversificar e renovar? Mais do que isso, como abri-la a novos valores?

Prémio de viragem

A partir da conquista na Polónia do prémio Eurobest Young Creatives International 2019, na categoria “Jovens Criativos”, Wil – que conseguiu a distinção europeia depois de vencer a competição lusa, disputada em dupla com um director de arte – atingiu um ponto de não retorno.

“Venho no voo para Lisboa e já sabia: vou ser contratado. Aí começam a chover propostas. O meu preço disparou,  finalmente passo a receber um ordenado justo, e foi aí que parei, comecei a olhar em volta, a não ver ninguém como eu, e a reflectir: ‘Mas porque é que sou o único negro aqui?”.

A resposta chegou com o revisitar da própria história. “Pensei: ‘Olha lá meu, já viste esta travessia do deserto que tiveste de fazer até chegares aqui?”.

A consciência do peso dos privilégios no acesso às oportunidades e espaços de decisão, combinada com o desejo de transformar esta realidade, levou o premiado copy a fundar o “Zona II”, programa de promoção de uma maior diversidade na Indústria Criativa.

 

A iniciativa, desenvolvida com a colega Maria Goucha, e em parceria com o Clube Criativos Portugal, “visa aproximar e trazer novas visões, referências e insights de talento jovem oriundo da periferia”.

O projecto pretende, num primeiro momento, levar jovens profissionais a escolas secundárias, para dar a conhecer opções de carreira por muitos desconhecidas. Num segundo momento, o “Zona II” prevê o desenvolvimento de mentorias, e a oferta de bolsas de estudo, facilitando a entrada de sangue novo no mercado de trabalho.

A Zona da mudança, por uma maior diversidade

Os planos inspiram-se em experiências brasileiras, com destaque para o projecto “Escola Rua”, apresentado como “a primeira escola de publicidade gratuita do Brasil”, focada “em promover inclusão e diversidade”.

À semelhança da “Escola Rua”, o “Zona II” também nasce da vontade de trazer as periferias para o centro das agências, sublinhando que não basta trazer representatividade negra.

“Óbvio que quando estamos a falar de periferia estamos a falar muito de negros porque vivem maioritariamente aí, mas o ‘Zona II’ não é só sobre trazer negros, é sobre trazer malta que está à margem”, frisa Wil, atento às múltiplas discriminações que nos rodeiam, nomeadamente em relação ao género e orientação sexual.

Além de apontar o foco para o combate a todas as formas de exclusão, o programa de diversidade fundado pelo copywriter propõe uma valorização de competências extra-académicas.

“Vejo putos que fazem grandes tweets, e quando lhes digo ‘és bué criativo’ ficam surpreendidos”, conta Wil, destacando o universo de soft kills que continua subaproveitado.

“Testei isso com um amigo meu que é rapper. Disse: ‘Tens estas marcas, faz-me headlines, uns títulos…e o gajo fez na boa. Então, ponho-me a pensar: ‘Porque é que o puto que faz grafiti numa parede não pode vir a ser um ilustrador, ou um director de arte uma agência?”.

A influência das referências

Aos 30 anos, e com dois de experiência profissional, Wil sabe que essa possibilidade depende do acesso a oportunidades. Por isso, mais do que negociar bolsas de estudo com algumas escolas técnicas e também instituições do ensino superior, o copy quer assegurar que a integração no mercado de trabalho se faça através de um estágio remunerado.

“Quando fui estagiar depois de fazer a Flag, tive de abandonar o meu trabalho, onde até recebia bem. Despedi-me para ganhar uns 500 e tal euros do IEFP, porque não terminei a licenciatura. Com contas para pagar e tudo, isso não dava, então tinha amigos a emprestarem”, nota, salientando que esse pode ser um factor de recuo.

“Muitas vezes olhava para os outros estagiários, ficava a observar as outras vidas, e pensava: ‘Malta, vocês não têm noção do que estou a fazer para estar aqui”.

O caminho já vai longo, mas Wil não perde de vista os desvios, becos sem saída, e ultrapassagens irregulares. Por isso, empenha-se em encurtar a travessia para quem ainda vai chegar, e em criar os modelos que faltam.

“É horrível não termos representatividade. Eu acabei por procurar directores criativos nos EUA, para ver o que diziam, o que escreviam, porque cá não tenho referências que me representem, com quem me identifique”.

Para quem vem atrás, contudo, Wilmer Carvalho já é um nome a ter em conta. E isso pode fazer a diferença entre acreditar no próprio futuro, ou nem sequer imaginar que é possível.

 

Acompanhe o projecto “Zona II”, no Instagram