A humanidade cabe numa bandeira, hasteada em Lisboa com uma voz global

Desafiada pela galeria ZDB (Zé dos Bois) a criar uma bandeira para o projecto “Four Flags Lisboa”, desenvolvido a partir de uma iniciativa lançada em Amesterdão, a escritora e artista Gisela Casimiro hasteou um mundo 100% humano, com 0% de discriminação.

100% Humana. Feita na Natureza.

Só o discurso interseccional é permitido. Nada de Racismo. Nada de Discriminação. Mantenha-se afastado do ódio. Não romantize o colonialismo. Celebre o orgulho, cores escuras e claras juntas. Dê as boas-vindas aos refugiados.

Nenhuma minoria foi prejudicada para produzir esta bandeira.

(Tradução do texto apresentado na bandeira)

Texto por Paula Cardoso
Foto de Pedro Besugo

Este é um mundo em que o actor Bruno Candé não é barbaramente assassinado sob uma rajada de insultos racistas. Também é um mundo em que uma criança não é exibida como uma espécie exótica numa sórdida acção de propaganda política.

Este é um mundo em que a estudante Beatriz Lebre escolhe a vida amorosa que bem entende, sem enfrentar uma sentença de morte. Também é um mundo em que milhões de imigrantes não precisam de arriscar a vida em travessias, porque as pessoas valem mais do que as fronteiras.

Este é um mundo em que o casal César Silveira e Matheus Valeri Antunes não é executado por viver o seu amor. Também é um mundo em que o discurso de ódio não é normalizado como expressão da liberdade de opinião.

Este é um mundo que ainda só existe numa bandeira, criada pela escritora e artista Gisela Casimiro para o “Four Flags Lisboa”, projecto desenvolvido pela ZDB (Zé dos Bois), a partir da iniciativa holandesa “Four Flags”.

A ideia surgiu quando Julia Mullié e Nick Terra estavam “a aproveitar o sol no parapeito da janela de casa”, em Amesterdão, e repararam “nos porta-bandeiras na fachada do prédio onde residem”, indica a ZDB, na apresentação lisboeta.

“O Four Flags Lisboa nasceu desta proposta inicial, e é uma parceria entre a Taffimai e a Galeria Zé dos Bois”, lê-se ainda na descrição do projecto, inaugurado a 7 de Julho para durar até 7 de Outubro.

“Cada bandeira projectada será exibida durante um período de três meses na fachada do edifício” da ZDB, conclui a galeria, que desafiou 36 artistas a integrarem a iniciativa.

Além de Portugal, o Brasil (São Paulo), a Bélgica, os EUA (Chicago) e a Colômbia (Bogotá) aderiram ao movimento, que pode ser acompanhado no Instagram.

Algodão Revisitado, com passagem por Kanye West

Desde a passada sexta-feira hasteada, a criação de Gisela Casimiro, com curadoria de Natxo Checa e Luiza Teixeira de Freitas, apresenta-nos “O” mundo que todos deveríamos assumir o compromisso de fundar: 100% humano, com 0% discriminação.

Baptizada de “Cotton Revisited” (“Algodão Revisitado”), a bandeira, explica a artista, alude ao significado do algodão na História negra, e também à música “New Slaves” (“Novos Escravos”) de Kanye West.

Começa assim: “My momma was raised in an era when/ Clean water was only served to the fairer skin/ Doing clothes you would have thought I had help/ But they wasn’t satisfied unless I picked the cotton myself” (“A Minha mãe foi criada numa época em que
água limpa só era servida para a pele mais clara/ Ao confeccionar roupas seria de esperar que recebesse ajuda/ Mas eles não ficavam satisfeitos enquanto não fosse eu mesmo a apanhar o algodão”).

A par do legado algodoeiro, Gisela encontrou inspiração na diferenciação das etiquetas têxteis da marca de roupa japonesa UNIQLO – por vezes impressas em fundo negro, em vez do clássico branco, e abundantes em palavras.

O resultado, que pode ser adquirido à ZDB, lê-se em inglês, à medida de uma intervenção global, 100% alinhada com o compromisso activista da escritora. Do tamanho da humanidade.