As vozes que atravessam o rio e rompem margens, por uma Lisboa igualitária

Treze jovens dos 11 aos 14 anos, residentes no Bairro Amarelo no Monte da Caparica e maioritariamente negros, unem falas na performance “Entre margens: vozes que atravessam o rio”, durante os próximos dias acessível a quem fizer o percurso fluvial entre Cacilhas e Lisboa. A peça de teatro sonoro foi produzida no âmbito do projecto “ReMapping Memories Lisboa – Hamburg: Lugares de Memória (Pós)Coloniais”, do Goethe-Institut Portugal, e serviu de mote para o Afrolink ouvir duas das responsáveis pela sua concretização: a actriz e encenadora Zia Soares, que assina a direcção artística; e Susana Costa, da Associação Faísca Voadora, responsável pela direcção pedagógica. Os créditos da produção acústica incluem ainda música e sound design de Xullaji. Tudo para ouvir amanhã, 28, na festa de dois anos do “ReMapping Memories”. Com muito mais para desfrutar!

por Paula Cardoso

Os 10 minutos de travessia fluvial entre Cacilhas e Lisboa transportam-nos, nos próximos dias, ao encontro da reflexão sonora “Entre margens: vozes que atravessam o rio”, apresentada pelas falas de 13 jovens dos 11 aos 14 anos. Todos residentes no Bairro Amarelo do Monte da Caparica, no município de Almada, são maioritariamente negros, “mas também descendentes de ciganos e brancos”, introduzem Zia Soares e Susana Costa, responsáveis, respectivamente, pelas direcções artística e pedagógica dessa performance acústica.

Convidadas pelo Goethe-Institut Portugal a combinar competências para fazer a intervenção acontecer, Zia Soares trouxe para o projecto a vasta experiência como actriz e encenadora, enquanto Susana Costa, versada em projectos de intervenção social e comunitária, actua através da Associação Faísca Voadora.

“O processo criativo que decorreu no Centro Jovem Pia II [no Monte da Caparica], iniciou-se com o enquadramento pedagógico do projecto Remapping feito pela Susana, que foi sempre intervindo ao longo do processo”, assinala a directora artística em declarações ao Afrolink, reconstituindo as etapas constitutivas do trabalho.

“É a partir do entendimento sobre o projecto, por parte dos jovens, que começo então a trabalhar com eles os textos e as possibilidades de os tornar performance”.

Zia Soares adianta que “as temáticas-base do trabalho surgiram logo na fase inicial”, incluindo:  voz, memória, margens, território, centro. Já na etapa final,  Xullaji entrou em cena, intervindo ao nível da composição musical e do design de som, contributo que a encenadora destaca enquanto impulsionador do sonho, entendido como “utopia com sentido activo na construção de realidades”.

“Foi muito interessante perceber como é que pessoas tão jovens, que habitam num território que foi estrategicamente construído para facilitar a não transposição das suas fronteiras, reflectem sobre estes conceitos: a ideia de centro (bairro amarelo/ os próprios jovens); a ideia de outra margem; a ideia de Lisboa como território físico e simbólico e a importância ou a ausência dela nas suas vidas; as suas identidades e proveniências”.

Um dia de festa para dois anos de reflexão

Facilitadora desse processo, a Associação Faísca Voadora accionou a parceria com o Centro Jovem Pia II, que abriu as suas portas para receber os participantes, as actividades e o desenvolvimento do projecto.

“A ideia aqui foi envolver estrategicamente um público jovem e periférico da Margem Sul, para poder fazer sair as suas vivências, ideias e noções em torno das suas vivências no espaço físico da Grande Lisboa enquanto cidade de memórias pós-coloniais”, revelam as directoras, em resposta ao Afrolink.

A intervenção pedagógica, assente em actividades não-formais, criativas e participativas, foi orientada “para desbloquear a descoberta e integração dos temas/ tópicos do projecto” pelos jovens, percorrendo conceitos como colonialismo, lugares de memória, relações entre centro e a periferia, racismo e interculturalidade.

Zia Soares, actriz e encenadora

Susana Costa, da associação Faísca Voadora

O resultado, vertido na peça “Entre margens: vozes que atravessam o rio”, será apresentado à comunidade do Monte da Caparica esta tarde, às 17h, junto do Centro Jovem Pia II, antes de ser dado a escutar, amanhã, 28, a partir das 18h30,  na festa “Cidade Igualitária: Lisboa Por Vir”, do projecto “ReMapping Memories Lisboa – Hamburg: Lugares de Memória (Pós)Coloniais”.

A celebração assinala dois anos de reflexão e intervenção sobre as diferentes facetas pós-coloniais das cidades portuárias de Lisboa e Hamburgo, num programa que inicia às 10h, com uma “visita guiada sobre a presença africana pela zona de São Bento, ao som das memórias autobiográficas do escritor cabo-verdiano Joaquim Arena.

O programa de sábado termina com música, a cargo dos DJs Lucky & Dedy, mas prossegue ao longo da semana na travessia do Tejo, entre Cacilhas e Lisboa.

O público terá acesso a um QR code disponível no interior dos barcos e nas estações, explicam Zia e Susana, adiantando que embora o ideal seja aproveitar a viagem para ouvir a performance sonora, os utentes podem aceder à criação através do telemóvel, quando e onde quiserem. Amanhã com muita festa à mistura!

 Consulte a programação completa da Festa do projeto ReMapping Memories Lisboa – Hamburg: Lugares de Memória (pós)coloniais