Investimento selectivo de tempo – uma outra forma de medir o racismo?

Sabemos que não há uma segunda oportunidade para causarmos uma boa primeira impressão, mas estamos conscientes do peso da nossa cor de pele na formação dessa impressão? O Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa ajuda-nos a reflectir sobre o investimento selectivo de tempo que pessoas brancas fazem quando estão a formar uma opinião sobre outras pessoas, analisando, numa investigação, se esse investimento varia em função da maior ou menor concentração de melanina. Os resultados do trabalho evidenciaram a necessidade de alargar a pesquisa, e dão-nos mais uma medida de como o racismo se manifesta tantas vezes de forma inconsciente, mas não menos limitadora do nosso presente. Uma nota, entre outras, para acompanhar mais logo, n’ O Lado Negro da Força. A partir desta semana às 21h.

por Afrolink

“Será que dedicamos o mesmo tempo a pessoas brancas e negras?”. Com este título, a edição do Público do último domingo apresentava uma interessante e importante reflexão, assinada pelo psicólogo social Cícero Roberto da Silva.

Logo na entrada, que resume as principais ideias do artigo, encontramos uma resposta – “Pessoas brancas investem mais tempo para formar impressões de pessoas brancas do que de negras” –, e também um efeito.

“Este fenómeno pode ter consequências tão diversas como o tempo que se dedica numa entrevista de emprego a candidatos negros e brancos”, diferenças que podem ser decisivas para o desfecho do processo de recrutamento.

“Alcance e Significados do Enviesamento do Tempo em Relações Sociais Racializadas”

Mas, comecemos do início.  Cícero Roberto da Silva partilha uma análise cujos dados resultaram de um projecto de investigação financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, intitulado “Alcance e Significados do Enviesamento do Tempo em Relações Sociais Racializadas”. 

“Procuramos saber se pessoas brancas investem mais tempo formando impressões sobre pessoas brancas do que sobre negras”, explicou o psicólogo social, depois de enquadrar o ponto de partida para esta pesquisa. “No domínio da Psicologia Social sobre o nosso comportamento em grupos, uma longa linha de investigação tem mostrado que um dos principais critérios que usamos para atribuir valor a outras pessoas é a informação sobre os grupos sociais aos quais pertencem. Por sua vez, uma das características mais relevantes para a avaliação do valor social do grupo é a cor da pele dos seus membros”.

Daqui nasceram quatro experiências, realizadas em laboratórios de Psicologia. “Apresentámos a estudantes universitários portugueses e brasileiros várias fotografias de pessoas que eles não conheciam. Tomámos o cuidado de seleccionar fotografias de pessoas que tinham sido avaliadas como equivalentes em vários aspectos importantes para a percepção de pessoas, como, por exemplo, expressão facial e atractividade física. A única diferença era a cor da pele das pessoas fotografadas: metade das fotografias era de pessoas brancas; a outra metade de pessoas negras”. 

Enviesamento com impactos sociais irreversíveis para a vida das pessoas negras 

O resultado, já partilhado na abertura do texto, é descrito como “enviesamento intergrupal no investimento de tempo”.

Porque é que esse fenómeno acontece? Será que os participantes querem despachar o assunto com receio de que, com mais tempo de antena, eventuais opiniões preconceituosas possam vir ao de cima? Ou será que isso sucede enquanto reflexo da desumanização e generalização das nossas existências, resumida num clássico “são todos iguais”?.

As duas hipóteses foram consideradas, mas a explicação mais consistente para os resultados “foi a de que o investimento selectivo do tempo a favorecer pessoas brancas reflectia uma forma particular de discriminação implícita e que, por ser implícita, poderia contribuir para reforçar as desigualdades sem que seu impacto social fosse facilmente percebido e sem que suscitasse autocrítica ou censura por parte de outros”.

Os efeitos desses mecanismos de discriminação estão à vista. Além do já referido impacto no emprego, Cícero Roberto da Silva assinala as consequências no sector da Saúde.

Citando uma tese de doutoramento, que faz referência a estudos efectuados no Brasil, o psicólogo social sublinha que “as consultas médicas realizadas num centro de saúde a pacientes brancos eram mais demoradas do que as de negros”.

Conseguem antecipar os resultados?

Voltada para a realidade portuguesa, a equipa do projecto “Alcance e Significados do Enviesamento do Tempo em Relações Sociais Racializadas”questiona em que medida o investimento selectivo do tempo influencia a qualidade do atendimento oferecido a pessoas brancas e negras em vários contextos sociais”.

E assume o compromisso de “contribuir para uma melhor compreensão da natureza, das causas e consequências de muitos processos discriminatórios implícitos e não conscientes, mas que podem produzir impactos sociais irreversíveis para a vida das pessoas negras”.

Podem e produzem, acrescentamos, a caminho de mais uma emissão do Lado Negro da Força. Hoje com a professora e activista Bárbara Nascimento como convidada.

 

Para ver, no Facebook e no YouTube, todas as quintas-feiras, a partir das 21h.