“O silêncio também é racismo”, lembra o basquetebolista Ivan Almeida

No jogo que, no último sábado, 11, consagrou o Sport Lisboa e Benfica campeão nacional de basquetebol, na disputa com o Futebol Clube do Porto, Ivan Almeida, do clube encarnado, enfrentou um adversário-extra: o racismo. Mas, se para o atleta é evidente que as palavras que lhe foram dirigidas das bancadas – nomeadamente “Preto, macaco, volta para a tua terra” – são racistas, para um dos responsáveis da estrutura portista tudo isso “faz parte do calor do momento, porque os adeptos defendem o seu clube até à morte”. Esta estratágia de negação foi antecipada por Ivan na denúncia que publicou nas redes sociais, alertando para a conivência de quem assistiu calado às agressões. “O silêncio também é racismo”, sublinhou o cabo-verdiano, evidenciando o que não deveria ser necessário salientar: “Por baixo deste atleta profissional africano tem um ser humano como todos”. Comentamos mais logo n’ O Lado Negro da Força.

por Afrolink

O insulto está longe de ser original: “Preto, macaco, volta para a tua terra”. Estamos extenuados de tanto o ouvir e denunciar, não apenas pela violência que transporta, mas porque de cada vez que o fazemos temos de lidar com cenas-extra de agressão.

Que o diga o atleta Ivan Almeida, a quem essas palavras foram dirigidas no último sábado, 11, enquanto disputava, no Dragão Arena, o jogo 3 da final do campeonato nacional de basquetebol.

O episódio racista, tal como tantos semelhantes que temos partilhado, apenas se tornou notícia porque alguém – que não as estruturas responsáveis – decidiu denunciá-lo.

No caso, foi o próprio Ivan Almeida a quebrar o habitual muro de silêncio e conivência que se ergue perante micro e macro agressões.

“Os que calaram perante isto, e já passaram isto por baixo do tapete como poeira, também contribuem para o racismo. Nem a Federação de Basquetebol nem o meu clube Benfica e nem o FC Porto se pronunciaram sobre o sucedido no Dragão Caixa”, lamentou o atleta no Twitter, sublinhando que “o silêncio também é racismo”.

Além de denunciar as agressões que ouviu –”Preto, macaco volta para a tua terra” –, o atleta cabo-verdiano antecipou as habituais jogadas de negação e normalização da violência.

“Sei que vem para aqui muita gente dizer para mostrar dentro do campo, para não ligar, que as pessoas são estúpidas e que outras não sabem o que dizem. Outros vão dizer não há racismo em Portugal e que me estou a fazer de vítima”.

Um clássico de negação 

Horas depois, o director técnico do basquetebol do FC Porto, Afonso Barros, confirmou o prognóstico traçado por Ivan.

“Não houve qualquer tipo de racismo vindo das bancadas. Houve um comentário, como há muitos, em que se insulta o adversário e se chama de tudo e mais alguma coisa, mas todos sabemos que faz parte do calor do momento porque os adeptos defendem o seu clube até à morte”, disse o responsável, desvalorizando a situação.

“Eu falei com a direcção do Benfica, o que me disseram é que foi utilizada uma expressão do género ‘vai para a tua terra’. Isto podia ser utilizado com um negro, um branco, um amarelo ou com quem quer que seja”, prosseguiu, acrescentando à sua exibição de fragilidade branca uma versão do clássico “até tenho um amigo…”.

“No FC Porto não houve, não há, nem nunca haverá racismo. Basta olhar para os nossos plantéis para perceber que temos uma grande diversidade étnica e religiosa. É daquelas acusações sem sentido”.

Não satisfeito com a jogada de negação, Afonso Barros reforçou-a com outro movimento habitual nestas ocasiões: ilibar o agressor e responsabilizar a vítima.

“Foi uma palhaçada aquilo que o Ivan Almeida fez aqui. Foi uma provocação aos nossos adeptos. Tenho pena que o Ivan tenha tanto de bom jogador como de mau carácter. Provocou esta situação toda”.

A reacção do director portista foi prontamente comentada pelo basquetebolista, certeiro em apontar uma das grandes dificuldades do combate ao racismo: a sua normalização.

“Só porque vocês estão acostumados a ser racistas não quer dizer que isso tenha que se normalizar”, escreveu o atleta no Twitter, plataforma na qual também teve de evidenciar o que não deveria ser necessário salientar: “Por baixo deste atleta profissional africano tem um ser humano como todos”. 

Das palavras à acção anti-racista

Entretanto, o clube da Luz pronunciou-se sobre o ocorrido, declarando, na sua newsletter, que “está, e sempre estará, na linha da frente do combate ao racismo e à intolerância sob qualquer forma”.

No mesmo espaço, o Sport Lisboa e Benfica sublinhou que “o desporto não pode conviver com o racismo ou aceitar impávida e serenamente as atitudes racistas. O desporto deve, pelo contrário, contribuir para uma sociedade mais justa, na qual a diversidade é celebrada. Todos temos de estar comprometidos com esse desígnio e o desporto tem de ser um exemplo”.

Das palavras para a acção anti-racista, quanto impunidade ainda teremos de aguentar?

Afinal, o que significa estar na linha da frente do combate ao racismo?

Comentamos mais logo n’ O Lado Negro da Força, reiterando uma das reflexões nossas de cada dia: “Se em vez de relativizarmos episódios de racismo quotidiano – tentando justificar o injustificável – questionarmos o sistema que os produziu e continua a reproduzir?”.

Para ver no Facebook e no YouTube, a partir das 21h.